Uma história que podia ser real

17-08-2015 21:27

Ele queria muito continuar a sê-lo... Sinceramente que sim. Gostava quando lhe chamavam de trabalhador. Era uma palavra bonita, completa. Enchia a boca do orador e o ouvido do receptor. A própria sonoridade parecia albergar o esforço e a dedicação inerente ao acto de trabalhar. Sim, ele gostava de ser trabalhador e ser reconhecido como tal.

Mas há uns anos tudo mudou. A empresa onde trabalhava fechou. O atraso cada vez maior na chegada do fim do mês deixava antever este desfecho. Dizem que foi a conjuntura económica e a crise internacional, mas disso ele nada sabia. Era agora um desempregado. Uma palavra rude e feia, que parecia devolver ao esquecimento

O tempo foi passando e a esperança esmorecendo. Multiplicava-se em entrevista de emprego, mas sempre sem resultados. O subsídio de desemprego foi diminuindo até ao momento que deixou de existir... Nessa altura descobriu que era um “desempregado Estrutural”, mas disso ele nada sabia.

Continuou a ir ao centro de emprego e a correr os classificados, numa clara demonstração de resistência que só se conquista com anos de experiência. Acabou por ter de aceitar um trabalho qualquer, a fazer nem sabe bem o quê, para um patrão que nunca conheceu e através de um contracto de trabalho que ele nunca entendeu e que nunca ninguém lhe soube explicar. Ali ninguém percebia muito bem para quem trabalhava ou por quem tinha sido contratado. Era um sinal dos tempos, diziam-lhe; tinha ficado muito tempo fora do “mercado laboral”, por isso não entendia estes novos vínculos.

Já não era trabalhador, antes colaborador. Sentia-se defraudado por esta designação, mas que poderia fazer... Ao mesmo tempo que lhe pagavam uma miséria, este ainda se devia mostrar agradecido por esta “oportunidade”. Levava para casa menos que o salário mínimo nacional e não lhe chegava para as despesas. Disso já ele sabia muito bem. Era licenciado em matemática do mínimo para fazer render o máximo.

Agora pensem na vossa vivência profissional e das pessoas que conhecem. Vêem como podia ser uma história real...?

 

Montijo, 17 de Agosto de 2015